Num contexto internacional marcado por incertezas, os bancos centrais assumem um papel determinante ao calibrar as taxas de juro para conter a inflação e assegurar estabilidade económica. Enquanto que a Reserva Federal dos Estados Unidos(FED) e o Banco Central Europeu(BCE) mantêm uma postura cautelosa e prolongam os juros em patamares elevados, Angola dá início a uma trajectória de flexibilização monetária, reflectindo maior confiança na descida da inflação. Este contraste evidencia tanto as diferenças estruturais entre as economias desenvolvidas e emergentes como os desafios comuns de um mundo em que os fluxos financeiros se encontram profundamente interligados.
Nos Estados Unidos, a Fed mantém a taxa directora entre 5,25% e 5,50%, depois do ciclo mais agressivo de aperto monetário em quatro décadas. A inflação, que atingiu 9,1% em 2022, recuou para cerca de 3,2% em 2025, mas o banco central resiste a cortes prematuros para não reacender pressões inflacionárias, sobretudo num mercado de trabalho que se mantém robusto. Na Europa, o BCE mantém a taxa de depósitos em 4%, depois de sucessivas subidas iniciadas em 2022, procurando ancorar as expectativas de inflação num ambiente económico frágil, com a zona euro projectada para crescer apenas 1,2% em 2025. No Japão, a política continua mais branda, com juros próximos de zero, embora com maior flexibilidade face a pressões inflacionistas inesperadas. Já entre os emergentes, as respostas são díspares: o Brasil, após avanços no controlo da inflação, reduziu a Selic para 10,75%, ao passo que a Turquia mantém taxas acima dos 40% para travar choques cambiais e inflação persistente.
Quatro factores dominam a equação global. A inflação segue como o principal catalisador, com os bancos centrais a medir cada passo para evitar retrocessos. O crescimento económico mantém-se modesto, com o FMI a projectar 2,8% para a economia mundial este ano, sustentado pela resiliência dos EUA e pela moderação da Ásia. A dívida pública elevada em muitas economias desenvolvidas limita a margem de manobra fiscal e reforça o peso da política monetária. E, por fim, as tensões geopolíticas, da guerra na Ucrânia ao confronto comercial entre EUA e China, passando pelos riscos climáticos, condicionam as cadeias logísticas, preços de energia e confiança dos investidores.
O impacto internacional destas decisões é evidente, uma vez que as taxas de juro elevadas nos países desenvolvidos aumentam a atractividade dos seus activos, provocando fuga de capitais de economias emergentes e pressionando as suas moedas. Para países endividados em dólares, o custo de financiamento externo agrava-se, enquanto que o crédito mais caro trava o consumo e investimento, afectando directamente as empresas e governos.
É neste cenário que Angola segue um caminho diferente. O Banco Nacional de Angola reduziu recentemente a sua taxa básica de 19,5% para 19%, reflectindo confiança na desaceleração da inflação. Depois de um período de forte volatilidade do kwanza e de pressões inflacionárias resultantes do encarecimento de bens importados, a estabilidade cambial e o aumento da oferta de produtos no mercado abriram espaço para flexibilizar a política monetária. A medida reduz o custo do crédito e pode estimular o investimento privado e o consumo das famílias, mas carrega riscos, desde a menor atractividade dos activos em kwanzas até à possibilidade de pressão sobre as reservas internacionais caso se intensifiquem as saídas de capitais.
Segundo o FMI, Angola deverá crescer 2,4% em 2025, sustentada sobretudo pelo petróleo, mas com fragilidades no sector não petrolífero. A política monetária torna-se, assim, um exercício de equilíbrio, ao sustentar a recuperação sem permitir o regresso da inflação. Se nos países desenvolvidos a prioridade é consolidar a descida da inflação, em Angola a questão é mais delicada, pois envolve também a urgência de dinamizar a economia real e diversificar para além do petróleo.
A comparação evidencia diferentes prioridades, a Fed e o BCE mantêm a rigidez como forma de preservar credibilidade e evitar retrocessos, enquanto que Angola opta por uma flexibilização cautelosa, apoiada na percepção de que o risco inflacionário está mais controlado. A licção é clara, a política monetária não opera no vazio, depende da robustez das instituições, da confiança no sistema financeiro e da credibilidade das autoridades monetárias.
O movimento das taxas de juro no mundo revela, assim, um mosaico de estratégias que reflectem realidades económicas distintas. Nos países desenvolvidos, a preocupação está em consolidar vitórias sobre a inflação e enfrentar um ambiente de dívida elevada e tensões globais. Em Angola, trata-se de garantir a estabilidade macroeconómica sem travar a recuperação de uma economia ainda dependente do petróleo. O futuro próximo dependerá da evolução da inflação global, da geopolítica e da capacidade das economias emergentes em transformar os desafios actuais em oportunidades de crescimento sustentável.